JUIZ NÃO É HERÓI: imparcialidade só é medida pela fundamentação da decisão

O editorial de 9 de março do Estadão condena o afrouxamento da regulamentação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) de eventos acadêmicos com a participação de juízes e defende o resgate de sua vocação moralizante da magistratura. Acerta quando condena o recebimento de benesses investigadas pelo jornal como, por exemplo, jantares em cassino e aluguéis de lanchas regadas a champanhe.

Ao debate acerca da imparcialidade do juiz deve ser acrescentado o fato de que em tempos de extrema judicialização da política, magistrados têm sido chamados a decidirem questões de alta complexidade e com grande impacto econômico e social. Juízes enfurnados em seus gabinetes, alheios às consequências práticas de suas decisões, podem causar grande prejuízo à sociedade.

Se, por um lado, exigimos do juiz completo domínio das consequências práticas de suas decisões (artigo 20 da Lindb), por outro também exigimos completo afastamento dos interessados na causa para que não corrompa sua imparcialidade.

Como envolver magistrados nos debates públicos sobre causas que irão julgar sem que os interessados possam corrompê-los? A resposta é não há como. Reduzir a transparência sobre participação em eventos acadêmicos claramente não é a solução para aproximar o juiz de uma decisão correta. Mas imaginar que estarão distantes dos interessados na causa é cada vez mais irreal.

É necessário amadurecimento da sociedade quanto ao que podemos exigir de nossos juízes. Os exemplos de Moro se juntando ao governo opositor daqueles a quem condenava na “lava jato” e o afastamento de Bretas pelo CNJ já foram suficientes de apagar do imaginário brasileiro a ideia de juiz-herói.

Estudiosos da teoria da decisão já foram capazes de retirar do ombro dos juízes o peso de serem heróis. Juízes são seres humanos iguais a todos nós, cuja imparcialidade exigida constitucionalmente só pode ser medida de uma forma, e ela é dada pelo parágrafo único do mesmo artigo 20 da Lindb: fundamentação de suas decisões.

Seria maravilhoso viver em um país em que todos os juízes fossem providos das mais elevadas virtudes e dessem decisões justas, éticas e irrecorríveis. Até lá, sigamos controlando a constitucionalidade das decisões e delas recorrendo com ampla defesa e devido processo legal, reportando aos órgãos de controle eventuais excessos.

 

 

 

 

Carmen Nery é advogada sócia do Warde Advogados.
Revista Consultor Jurídico