Se a Justiça Civil fixou que não há provas da prática de ato doloso contra os princípios da administração, a mesma conduta não pode ser violadora do bem jurídico tutelado pelo direito penal a ponto de justificar o trâmite de uma ação criminal.
Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça trancou a ação penal contra uma empresária acusada de integrar suposto esquema de desvio de verbas públicas conhecido como “mensalão do DEM” no governo do Distrito Federal.
Por unanimidade de votos, o colegiado deu provimento a recurso em Habeas Corpus em julgamento em 7 de março. Na sessão de terça-feira (16/5), rejeitou os embargos de declaração interpostos pelo Ministério Público do DF.
A empresária e a empresa foram absolvidas pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em 24 de junho de 2020, da acusação de improbidade administrativa. A corte entendeu que houve dolo apenas do gestor público, não dos particulares.
O acórdão ainda apontou que a empresa sequer foi a primeira colocada entre os concorrentes na dispensa de licitação, precisando baixar seu preço para ser escolhida, diante do descredenciamento da vencedora inicial.
Com isso, a empresária tentou trancar a ação penal, pedido que foi negado pelo TJ-DF com base na independência entre as instâncias cível e criminal. A possibilidade de haver influência extraordinária entre os casos levou a presidência do STJ a suspender a ação, em janeiro de 2022.
Relator do recurso em Habeas Corpus na 5ª Turma do STJ, o ministro Ribeiro Dantas observou que não é possível que o dolo da conduta em si não esteja demonstrado no juízo cível e se revele no juízo penal, para justificar a ação por corrupção e lavagem de dinheiro.
Esvaziamento da justa causa
Trata-se de uma hipótese incomum de influência da instância cível na ação penal, o que indica uma tendência já mostrada pelo próprio STJ no julgamento em que trancou a ação penal contra Fernando Haddad após sua absolvição na Justiça Eleitoral.
A independência entre as instâncias foi, inclusive, mitigada pela inclusão do artigo 21, parágrafo 4º da Lei 8.429/992, segundo o qual a absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação de improbidade. A norma está suspensa por decisão liminar do Supremo Tribunal Federal.
A ideia é que, embora a absolvição cível não autorize o encerramento da ação penal, tais fundamentos não podem ser ignorados na análise do juízo criminal. No caso concreto, o ministro Ribeiro Dantas concluiu que houve um esvaziamento da justa causa para a persecução penal.
“De fato, não se verifica mais a plausibilidade do direito de punir, uma vez que a conduta típica, primeiro elemento do conceito analítico de crime, depende do dolo para se configurar, e este foi categoricamente afastado pela instância cível”, explicou o relator.
Se na instância cível ficou claro que não houve prática de ato contra os princípios da administraçãonão pode a mesma conduta ser violadora de bem jurídico tutelado pelo direito penal. “Constata-se, assim, de forma excepcional, a efetiva repercussão da decisão de improbidade sobre a justa causa da ação penal em trâmite”, disse. A votação foi unânime.
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RHC 173.448
Créditos: Revista Consultor Jurídico