IN DUBIO…: Juíza absolve mulher acusada de perseguir ex-namorado com quem teve filha

O fato de uma pessoa procurar a outra após terminar um relacionamento, especialmente havendo um filho em comum, é natural e não configura crime de stalking. O entendimento é da juíza Renata Sanchez Guidugli Gusmão, do Juizado Especial Criminal de Santos (SP), ao absolver uma mulher acusada de perseguir um ex-namorado.

O homem relatou ao Ministério Público ter sido perseguido pela ré após o fim do relacionamento, o que teria se agravado depois que tiveram uma filha. A mulher, por sua vez, disse que o ex-namorado “lhe virou as costas” após saber da gravidez e que todas as ligações são apenas para tratar de assuntos da criança.

A magistrada absolveu a ré por entender que a prova era insuficiente para justificar a condenação: “Ocorre que não restaram satisfatoriamente comprovadas a materialidade e autoria do delito descrito na denúncia e imputado à acusada, vez que, da análise da prova colhida, inferem-se duas versões antagônicas a respeito dos fatos, uma delas prestando-se a agasalhar a tese acusatória e outra a defensiva.”

Conforme a juíza, o crime de stalking previsto no artigo 147-A, incluído no Código Penal pela Lei 14.132/2021, diz que a figura típica consiste “em perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”.

“O verbo perseguir não tem apenas a conotação de ir freneticamente no encalço de alguém. Há também um sentido de importunar, transtornar, provocar incômodo e tormento, inclusive com violência ou ameaça. É principalmente com essa conotação que se tipifica a conduta de perseguir no artigo 147-A. O tipo penal é estruturado com uma ação nuclear (perturbar), que pode atingir a vítima de três formas: ameaçando a integridade física ou psicológica; restringindo a capacidade de locomoção; invadindo ou perturbando a esfera de liberdade ou privacidade”, acrescentou Gusmão.

No caso dos autos, segundo a magistrada, a vítima nada declarou sobre ter sido ameaçada pela acusada, tampouco que ela tivesse restringido sua capacidade de locomoção. O homem alegou apenas a invasão e perturbação na sua esfera de liberdade e privacidade, apresentando prints de mensagens e ligações telefônicas.

“Os documentos não comprovam, por si só, a prática do delito. Porém, demonstram que vítima mantém ou manteve diálogo com a acusada por WhatsApp, comportamento que se mostra incompatível com o de uma pessoa que se diz vítima de stalking. Importante destacar que, após o término do namoro (alegação do início das perseguições), ré e vítima mantiveram relações sexual, inclusive, gerando um filho. Evidente o elemento afetivo, mais uma vez incompatível de vítima de stalking.”

Para Gusmão, o fato de uma pessoa procurar a outra após o fim do relacionamento, especialmente havendo um filho em comum, é natural e não configura a figura típica do artigo 147-A do Código Penal (stalking), “porque comumente aquele que não encerrou o relacionamento fica desnorteado e procura o outro para tentar reata-lo. Ou, como evidenciado no presente caso, busca ajuda para a educação e manutenção do filho”.

A juíza afirmou ainda que a prova para a condenação deve ser segura e irrefutável, o que não ocorreu no caso em questão, “de tal sorte que, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo, sua fragilidade deve ser interpretada em favor da acusada, impondo-se a absolvição”. A ré é representada pelo advogado Fábio Menezes Ziliotti.

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Processo 1500106-79.2022.8.26.0562

Créditos: Revista Consultor Jurídico

 

 

Por Portal Segurunça Pública em Foco