FORA DA LEI: STJ derruba ordens de prisão por falha em reconhecimento de três suspeitos

O reconhecimento da pessoa, presencial ou por foto, feito na fase do inquérito policial, só é válido para identificar o réu e fixar a autoria delitiva quando observadas as formalidades previstas no artigo 226 do Código de Processo Penal, e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

O entendimento foi adotado pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca, do Superior Tribunal de Justiça, para determinar o recolhimento dos mandados de prisão expedidos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo contra três homens acusados de cometer um roubo em novembro do ano passado, na Zona Norte da capital paulista.

De acordo com os autos, os três foram presos em flagrante, junto com um adolescente que foi apreendido, pela suposta prática de roubo majorado com emprego de arma de fogo. A vítima conseguiu escapar e, ao voltar ao local do crime com policiais militares, identificou os acusados, que passavam de carro pela região. Eles disseram que voltavam de uma festa e não cometeram o roubo, mas acabaram sendo detidos.

Na delegacia, a vítima reconheceu os quatro rapazes. Em audiência de custódia, as prisões em flagrante foram convertidas em preventiva. Os três maiores foram denunciados e se tornaram réus. A defesa, então, entrou com pedido de Habeas Corpus, sustentando a ilegalidade do reconhecimento por não respeitar o artigo 226 do CPP, nem a jurisprudência do STJ.

No plantão judiciário, em 20 de dezembro, o desembargador plantonista do TJ-SP, Marcelo Semer, identificou irregularidades no reconhecimento e deferiu a liminar para soltar os réus. “O ato de reconhecimento pessoal não seguiu os ditames legais previstos no artigo 226 do CPP, cuja moderna jurisprudência do STJ entende como obrigatórios, e não apenas meras recomendações do legislador”, disse Semer.

Os três foram soltos, mas, após o fim do recesso, o relator do HC no tribunal paulista, desembargador Eduardo Abdalla, cassou a liminar do plantonista e determinou a expedição de novos mandados de prisão. Para Abdalla, o reconhecimento dos réus ocorreu logo depois dos fatos, “ao serem capturados após perseguição, tudo a recomendar o encarceramento para manutenção da paz e ordem pública”.

Constrangimento ilegal

Diante da ordem de retorno dos jovens à prisão, a defesa recorreu ao STJ. Inicialmente, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca afirmou que, em situações excepcionais, como forma de garantir a efetividade da prestação jurisdicional nas situações de urgência, uma vez constatada a existência de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia, é possível a superação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal.

Segundo a súmula, não se admite Habeas Corpus contra decisão que indefere liminar proferida em impetração originária, por configurar indevida supressão de instância. Mas, conforme Fonseca, a hipótese dos autos permitia a superação do texto em razão do flagrante constrangimento ilegal aos acusados.

Ao analisar o caso, o ministro lembrou que a 6ª Turma do STJ, no julgamento do HC 598.886, propôs uma nova interpretação do artigo 226 do CPP, segundo a qual a inobservância do procedimento descrito no dispositivo torna inválido o reconhecimento dos suspeitos e não poderá servir de lastro para eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo.

“O acusado não pode ser condenado com base apenas em eventual reconhecimento falho, ou seja, sem o cumprimento das formalidades previstas no artigo 226 do CPP, as quais constituem, em verdade, garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito. Não há como manter uma segregação cautelar baseada apenas em reconhecimento falho ou duvidoso, sem a observância do procedimento previsto no artigo 226 do CPP.”

De acordo com Fonseca, os réus não estavam em posse dos bens supostamente subtraídos da vítima, bem como há diversas inconsistências no procedimento de reconhecimento, especialmente porque não consta descrição sobre como o ato foi feito, nem transcrição da descrição prévia das pessoas que foram reconhecidas pela vítima, o que, por si só, viola o inciso I do artigo 226 do CPP.

A determinação do relaxamento da prisão do paciente não significa que, no curso da instrução processual, não seja possível detalhar as circunstâncias em que se deu o reconhecimento feito pela vítima ou realizar novas diligências, motivo pelo qual a decisão que ora se profere tem limites no exíguo momento processual, diz a decisão.

Dessa forma, o ministro não conheceu do Habeas Corpus, mas concedeu a ordem, de ofício, para determinar o recolhimento dos mandados de prisão expedidos em nome dos três acusados. Atuam no caso os advogados Giovanna Zanata Barbosa e Rodrigo Calbucci, do escritório Zanata e Calbucci Advogados Associados.

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HC 799.758

 

 

Tábata Viapiana é repórter da revista Consultor Jurídico.
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