O crime foi denunciado pela mãe da vítima, mas afastado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) porque houve união estável e, embora o casal não esteja mais junto, mantem relações por causa da criança, que é apoiada pelo pai.
Ao analisar o caso, a corte estadual entendeu que houve o chamado erro de proibição: quando uma pessoa comete um crime supondo que essa conduta é legal ou legítima.
Nesta terça, a 5ª Turma entendeu que rever essa conclusão demandaria reanálise de fatos e provas, medida vedada em sede de recurso especial. O resultado representa uma reafirmação de jurisprudência.
A conduta de ter relação sexual com menor de 14 anos está tipificada no artigo 217-A do Código Penal. Nesse caso, elementos como consentimento da vítima ou sua anterior experiência sexual não bastam para afastar a ocorrência do crime.
O STJ tem tese vinculante sobre o tema, consolidada na Súmula 593 da corte. Ainda assim, de maneira excepcionalíssima, tem livrado acusados em hipóteses específicas, em que não existe proveito social na condenação do réu.
Para o relator da matéria, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, esse é o caso dos autos. Impor a condenação do réu a uma pena que seria de, no mínimo, oito anos de prisão significaria romper o núcleo familiar e prejudicar a criança que resultou do casal.
Abriu a divergência a ministra Daniela Teixeira, que propôs uma mudança de posição. Para ela, o Poder Judiciário não pode transigir com o que a lei traçou como um standard de civilidade: o marco absoluto de 14 anos de idade para definir o estupro de vulnerável.
“O que vai acontecer é que os coronéis desse país vão misteriosamente se apaixonar pelas meninas de 12 anos. Essa será a principal excludente de ilicitude em todos os casos de estupro de vulnerável”, alertou a ministra.
Em sua análise, o caso dos autos representa um estupro, sendo pouco crível que o homem de 20 anos, que tirava a menina de 12 anos da escola para com ela se relacionar, não soubesse da ilicitude da conduta.
“Não temos, no presente caso, uma família a ser protegida pelo Judiciário. Quando uma criança é submetida a situação de conjunção carnal, temos um âmbito de violência, e não de família.”
O voto do ministro Reynaldo Soares da Fonseca concordou com as premissas da posição da ministra Daniela Teixeira. Para ele, no entanto, o caso em julgamento é uma exceção que acaba por confirmar a regra.
Em sua análise, condenar uma pessoa que não oferece nenhum risco à sociedade ou à vítima representaria a completa subversão do Direito Penal, em rota de colisão indireta com o princípio da dignidade humana.
“A vida é maior do que o Direito. A antecipação da adolescência, da fase adulta, não pode acarretar um prejuízo maior para aqueles que estão envolvidos. E mais ainda para uma criança que é a prioridade absoluta do sistema brasileiro através do estatuto da primeira infância.”
Formaram a maioria com ele os ministros Joel Ilan Paciornik e Ribeiro Dantas.
Ficou vencido ao lado de Daniela o ministro Messod Azulay, para quem a presunção absoluta de estupro de vulnerável do menor de 14 anos, como prevista na lei, deve ser respeitada. “Não se pode flexibilizar porque houve um agravamento nisso tudo: um filho.”
AREsp 2.389.611