A narrativa pouco confiável apresentada por policiais militares que promoveram uma ação de repressão ao tráfico de entorpecentes levou a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça a anular as provas decorrentes da invasão da casa de uma suspeita. O local estava exalando forte de cheiro de drogas, segundo relato dos agentes.
O caso trata de um casal que fugiu ao topar com policiais militares quando saía de uma viela. O homem conseguiu escapar, mas a mulher correu para dentro da própria casa, onde foi apreendida. Os agentes encontraram com ela, dentro da mochila, 235 gramas de cocaína, 73 gramas de crack e 43 de maconha.
Nos termos da jurisprudência do STJ, a invasão de domicílio sem autorização judicial depende de fundadas razões de que no local há um crime sendo cometido. A fuga de um suspeito para dentro de casa não é considerada um motivo válido.
Além da fuga, um dos policiais justificou a ação com a alegação de que a residência da suspeita exalava um forte odor de drogas — o que, a princípio, é aceito como justificativa, embora o STJ tenha aumentado o rigor com essas hipóteses de flagrante feito de fora para dentro da residência.
O problema, segundo o desembargador convocado Jesuíno Rissato, relator do caso, é que essa versão é inverossímil. O cheiro de drogas no local não foi descrito no relatório policial, nem na audiência de instrução. Além disso, a quantidade de drogas apreendida estava acondicionada em eppendorfs (pinos) e invólucros (enroladas em algum material), dentro da mochila da suspeita, que acabara de entrar em casa. E não há nenhum relato de pessoas usando entorpecentes no local.
“Não houve a indicação de qualquer elemento que indicasse a plausibilidade acerca da existência de cheiro de drogas no imóvel, tal como o fato de a paciente ou qualquer outra pessoa estar consumindo droga no momento, circunstância que foi embasada apenas em impressões subjetivas do policial, motivo pelo qual deve ser reconhecida a ausência de fundadas razões para o ingresso no imóvel”, concluiu o relator.
Com a declaração de nulidade das provas, o relator determinou a absolvição dos réus e sua soltura imediata. Os réus foram representados pela Defensoria Pública de São Paulo. A votação foi unânime.
Jurisprudência vasta
A análise da legalidade da invasão de domicílio por PMs é tema constante na pauta das turmas criminais do STJ, que vêm delineando as razões para ingressar na casa de alguém sem mandado judicial.
No precedente mais incisivo, a 6ª Turma decidiu que a invasão só pode ocorrer sem mandado judicial e perante a autorização do morador se ela for filmada e, se possível, registrada em papel. A 5ª Turma também adotou a tese. Mais tarde, a ordem foi anulada por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Em outras situações, o STJ entendeu ilícita a invasão nas hipóteses em que a abordagem é motivada por denúncia anônima, pela fama de traficante do suspeito, por tráfico praticado na calçada, por atitude suspeita e nervosismo, cão farejador, perseguição a carro ou apreensão de grande quantidade de drogas.
Também foram anuladas as provas quando a busca domiciliar se deu após informação dada por vizinhos e depois de o suspeito fugir da própria casa ou fugir de ronda policial. Em outro caso, foi considerada ilícita a apreensão feita após autorização dos avós do suspeito para ingresso dos policiais na residência.
A corte também estabeleceu que o ingresso de policiais na casa para cumprir mandado de prisão não autoriza busca por drogas. Da mesma forma, a suspeita de que uma pessoa poderia ter cometido o crime de homicídio em data anterior não serve de fundada razão para que a polícia invada o domicílio de alguém.
Por outro lado, é lícito o ingresso quando há autorização do morador ou em situações já julgadas, como quando ninguém mora no local, se há denúncia de disparo de arma de fogo na residência ou flagrante de posse de arma na frente da casa, se é feita para encontrar arma usada em outro crime — ainda que por fim não a encontre —, se ocorrer em diligência de suspeita de roubo ou se o policial, de fora da casa, sente cheiro de maconha, por exemplo.
HC 763.290
Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
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