Alto risco: policiais grávidas de São Paulo participam de operações e condução de presos

Priscila (nome fictício) trabalhou como investigadora até o nono mês de gestação. Sua condição não mudou em nada a rotina que levava na Polícia Civil. Ela continuou a conduzir e transportar presos, apurar denúncias, cumprir mandados de prisão e busca e apreensão e fazer intimações. A investigadora, que prefere não se identificar pelo temor de represálias, conta que chegou a trabalhar 16 horas consecutivas na gravidez.

Mais insalubre que a longa jornada de trabalho, lembra, era a condução de presos até a cadeia, momento em que era obrigada a dividir os veículos com detentos, muitas vezes em trajetos entre cidades que superavam 200 quilômetros de distância.

— Eu ficava sempre muito alerta e com medo — afirma a investigadora. — Se o preso se revolta dentro do compartimento, são necessárias duas pessoas para contê-lo. Provavelmente qualquer reação minha seria um tiro, porque eu não teria como encostar a mão em ninguém. Isso colocaria minha gestação em risco.

Priscila contou com a ajuda informal de colegas para tarefas que, em estágio avançado da gravidez, seriam quase impossíveis, como revistas ou colocação de algemas. Ao cumprir mandados de busca e apreensão, ela fazia o perímetro da área e deixava os colegas entrarem primeiro no local.

Uma semana antes de dar à luz, Priscila tirou uma licença em função do estresse e das fortes dores nas costas por ter que portar arma, algema e carregadores no uniforme — itens que chegam a pesar mais de dois quilos.

— É muito importante uma regulamentação para que a administração de cada delegacia já saiba o que fazer com a gestante, até para que ela não se sinta um fardo — diz Priscila.

A falta de regras se estende também às lactantes. Fernanda (nome fictício) trabalhou como delegada durante toda a gestação, período no qual continuou tocando o expediente da delegacia e fazendo atendimento ao público e plantões policiais, que duravam até 12 horas e deixavam seus pés inchados e coluna doendo. Depois que a bebê nasceu, veio um novo empecilho: a falta de estrutura na delegacia para amamentação.

— Eu tinha que tirar o leite para dar na creche ou chegar atrasada para amamentar a minha filha lá mesmo, sem que meus superiores soubessem — conta ela, que continuou fazendo plantão após o parto.

— Chegaram a me perguntar se minha filha não poderia ficar um dia sem amamentar.

O GLOBO conversou com outras cinco policiais civis. Nenhuma teve a sua rotina alterada devido à gravidez. Há casos de escrivãs que continuam tendo de manipular itens apreendidos pela polícia como cocaína, maconha e outros produtos químicos, fato descrito como “nefasto” por elas.

Mesmo em situações de gravidez de risco não há um protocolo. Amanda (nome fictício) tem problemas de saúde que impactam a sua gestação, como anemia e complicações na tireoide. Mas tem feito plantões de madrugada. Em alguns dias, chegou a dormir na delegacia tamanha a exaustão.

Ela diz que continua a fazer diligências e ir a locais de crime, principalmente de morte violenta, geralmente em áreas de risco.

— Tenho sentido mal-estar, pressão baixa. Me preocupa muito essa situação — relata ela, para quem a gravidez é fator de insegurança para mulheres da polícia. — Cheguei a ouvir de uma colega que eu era muito corajosa de ter contado que estava grávida.

A ginecologista e obstetra Joeline Maria Cleto Cerqueira explica que toda gestante deveria ser afastada de trabalhos em ambientes insalubres e que causam estresse.

— Carregar muito peso, estar exposta a drogas e passar por situações de estresse podem aumentar o risco de trabalho de parto prematuro, sobretudo no final da gestação — diz a especialista, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. — Ficar longo tempo em pé ou sentado, caso dos plantões ou viagens, aumenta risco de trombose de membros inferiores.

Os riscos médicos se somam ao cenário de recrudescimento da criminalidade no estado. Em fevereiro, houve aumento de casos de furtos (10,7%), estupros (19,2%) e tentativas de homicídio (12,3%). Em janeiro, primeiro mês do novo governo, os homicídios subiram 5,9%.

Em junho de 2021, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou o Programa de Proteção à Policial Civil Gestante, mas o projeto acabou vetado pelo então governador João Doria um mês depois. O argumento era de que a proposta deveria ser do Executivo, já que tratava do funcionalismo. O texto deixava a critério da gestante prestar atendimento em local de crime, fazer diligências externas e atuar com detidos. E garantia que, após a licença-maternidade, ela pudesse retornar para a mesma equipe e com a mesma jornada.

O Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp) protocolou, na semana passada, parecer na Delegacia-Geral da Polícia Civil defendendo uma regulamentação.

— Nós queremos que as policiais gestantes não sejam obrigadas a participar de plantões de 12 horas, operações ou condução de presos. Essas tarefas ficariam vedadas, exceto mediante expresso interesse da profissional e autorização médica — afirma Jacqueline Valadares, presidente do Sindpesp. — São Paulo é um dos poucos estados do país que não regulamentaram esse direito.

Em nota, a Polícia Civil diz que as denúncias serão “apuradas com rigor”. E afirma que recebeu estudo do sindicato sobre delegadas. “A Delegacia-Geral Adjunta instaurou um expediente e estenderá a medida às policiais civis de todas as carreiras, visando a adequação à regra do artigo 44 da Lei Orgânica da instituição”, diz. Já a PM disse, em nota, que agentes grávidas se apresentam ao Centro Médico, onde, são prescritas restrições, como longa permanência em pé e uso de uniforme específico.

Créditos: Globo

 

Por Portal Segurança Pública em Foco