5 sinais de violência psicológica (e como ajudar quem sofre com isso)

A violência psicológica envolve a manipulação, tentativas de assustar uma pessoa e o uso frequente e deliberado de palavras ou ações não físicas que fragilizam outra pessoa emocionalmente, segundo definição da SaveLives, uma organização com sede no Reino Unido dedicada a combater esse tipo de abuso.

As consequências do abuso psicológico são tão graves quanto as de abusos físicos e pode causar problemas na saúde, como depressão, ansiedade, úlceras estomacais, palpitações cardíacas, distúrbios alimentares e insônia, segundo o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS, na sigla em inglês).

Neste texto, vamos focar na violência psicológica em relacionamentos amorosos.

Pode ser que o agressor não valorize as conquistas do parceiro, faça comentários ou piadas humilhantes, invalide suas emoções ou o culpe por situações pelas quais não é responsável. Há muitas facetas e formas, mas em geral há um conjunto de ações que ocorrem ao longo tempo — não é apenas uma conduta pontual.

“Esta violência é caracterizada por sua sutileza, e os sintomas costumam ser mais mascarados”, explica Silvia Vidal, psicóloga e criadora da @queridaneurona, conta no Instagram que nasceu durante a pandemia.

Devido às suas características peculiares, a violência psicológica é difícil de ser identificada tanto pela pessoa que sofre quanto pelas pessoas que convivem com ela.

Conversamos com psicólogas e listamos abaixo sinais deste tipo de abuso.

 

1. Perda da ‘essência’

O primeiro cuidado é observar se houve uma mudança de padrão entre o que a pessoa era e o que ela é agora. Resumindo, observe se ela perdeu sua “essência”.

Isso inclui mudanças em como você a percebe fisicamente, como você se relaciona com ela e como você a vê emocionalmente. Ela pode ter parado de manter certos hobbies, não se veste da mesma forma ou mudou detalhes que antes eram importantes.

Em sua vida íntima, essa pessoa pode estar em constante tensão pelo que pode ou não pode dizer, pode ter que conter as lágrimas para evitar que seu parceiro diga que está exagerando ou esteja evitando fazer certas coisas para que o outro não fique com raiva.

E isso não é nada normal.

“Em um relacionamento, você precisa ter tranquilidade e não ter que esconder as coisas”, diz Vidal.

Mudanças repentinas no comportamento são sinal de alerta

 

2. Distanciamento e controle

Novamente, trata-se de observar se há uma mudança de padrão. Por exemplo, se a pessoa que você suspeita estar sendo abusada agora mal tem tempo para amigos ou família, ou mesmo para falar ao telefone como antes, isso pode ser um sinal.

É importante distinguir em que ponto da relação isso ocorre. O isolamento por abuso não é o mesmo que pode ocorrer no início de um relacionamento, quando você não quer ficar com mais ninguém além do novo parceiro e, lembra Vidal, “está naquele momento de paixão que costuma passar”.

A face oculta desse distanciamento costuma ser o controle por parte do agressor por saber o que a vítima faz, com quem e onde. Isso isolará a vítima de familiares e amigos. Como o agressor faz isso? Por exemplo, falando mal deles de forma sutil e prolongada ao longo do tempo.

Se a pessoa que você suspeita estar sofrendo abuso psicológico mantiver contato com você, talvez seja possível captar vislumbres desse controle. Pode ser que ela envie constantemente fotos ou a localização para o agressor ou peça para você se esconder quando estiverem se encontrando.

 

3. O que contam e como contam

Um fator importante é que as vítimas costumam contar pouco ou nada sobre o relacionamento, o parceiro e o que ele faz.

“Quem sofre o abuso tenta fazer com que o agressor não pareça uma pessoa má, evitando que as pessoas vejam o que acontece”, explica Vidal.

E, se a vítima contar algo, pode ser que busque justificar as ações do agressor.

“Ele fez isso comigo porque eu merecia”, “sou uma pessoa ruim, eu mereço”, “exijo demais dele”, podem ser algumas frases de justificativa.

Essas falas revelam uma faceta do abuso: a culpa sentida pela pessoa violentada.

“Essa emoção nos diz muitas coisas e, nesse tipo de relacionamento, é um sinal de que algo está errado porque em um relacionamento não deve haver culpados. Pergunte a si mesmo se você é sempre, no relacionamento, aquele que se sente culpado. Se for o caso, verifique o que está acontecendo”, diz Vidal.

 

4. Dependência emocional e dúvidas

Com a pessoa que sofre abuso psicológico, existe um apego ao agressor que se estende em intensidade e duração além do que é habitual nos primeiros meses de namoro, e é diferente da dependência saudável que existe nas interações humanas.

Vendo de fora, isso se reflete com a perda da autonomia: a vítima não tem controle sobre seus próprios horários e depende do agressor para tomar decisões.

Podemos perceber também que a pessoa violentada duvida de tudo e demonstra insegurança. Isso, junto com a dependência emocional, é fruto da constante manipulação a que ela está sendo submetida.

“Há uma perda brutal do poder e de toda a capacidade de discernir o que é real do que não é, o que sou e o que não sou”, diz a psicóloga Sandra Ferrer, fundadora do @programamia, um empreendimento online de psicologia para mulheres.

Ouça sem julgamentos a pessoa que sofre abuso psicológico. Aproveite a abertura para gerar conexão e confiança

 

5. Como se comporta quando está com o parceiro

É possível que o círculo social da vítima tenha pouco contato com o abusador, mas, se houver, é importante saber que pessoas que exercem a violência psicológica tendem a ter perfis narcisistas, segundo Vidal.

“Mas o abuso quase nunca é detectado (nesses encontros). Pode ser que apareçam algumas escorregadas, como um olhar muito fixo para a vítima ou ordens para que se cale”, diz a psicóloga.

Tanto ela quanto Ferrer aconselham observar como a vítima se comporta nessas ocasiões.

“Dá a sensação de que essa pessoa não é quem é ao lado da pessoa que a está violentando. Você não a reconhece, não percebe sua faceta espontânea, livre e fluida”, diz Ferrer.

A isto, Vidal acrescenta que as vítimas, sobretudo quando estão com o seu agressor, “não tomam a iniciativa, não opinam, calam-se e concordam”.

 

O que fazer e o que não fazer nessas situações

 

  • Tanto Silvia Vidal quanto Sandra Ferrer recomendam não aconselhar logo que a vítima saia do relacionamento, um conselho muito comum no início do processo. Esse deve ser, na verdade, um dos últimos passos, segundo elas. “Temos que entender que a pessoa está sob manipulação da qual não tem conhecimento e que, portanto, não tem motivos para deixar o parceiro. E, além disso, provavelmente vai se afastar e não contar mais nada sobre o que está acontecendo com ela”, diz Vidal.
  • Pergunte e ouça: Parece óbvio, mas nem sempre é algo feito. Pergunte como a pessoa está e deixe que fale. Ouça ativamente, sem tentar dar soluções para não perder a conexão e a confiança que aquela pessoa deposita em você.
  • Não julgue, repreenda ou diga o que fazer: Dizer coisas do tipo “como você pode aguentar isso”, “você tem que deixar o relacionamento” ou “por que você voltou com tal pessoa” traz mais culpa para a vítima. Essas pessoas estão sujeitas a julgamentos constantes — próprios e dos parceiros — e, se você se tornar mais um carrasco, elas se afastarão. Em vez disso, você pode dizer como ajudá-la e apoiá-la incondicionalmente.
  • Não desqualifique o parceiro dessa pessoa: No final, é com quem ela está, em quem ela está ligada. Isso só vai forçá-la a se justificar mais e aumentar a probabilidade que ela não te conte mais nada. Ela pode até contar sua opinião para o agressor, o que é mais um estímulo para que se afaste.
  • Respeite seu ritmo: É preciso ser muito paciente com amigos que estão em relacionamentos abusivos. Pode ser que, a partir do momento que os abusos comecem a ser detectados, eles só deixem essas relações depois de um mês ou de muitos anos. Respeite o tempo dessa decisão e fique ao lado do seu amigo.
  • Ajude com informações: Em vez de verbalizar acusações e julgamentos, encaminhe textos, falas de especialistas no assunto ou um livro que você sinta que pode ajudar a vítima. Não apresente apenas informações sobre abusos, mas também histórias de superação, que a façam enxergar uma luz no fim do túnel.
  • E, embora seja cansativo e você sinta que a vítima está te ignorando, não deixe essa pessoa sozinha. É essencial ter paciência e acompanhá-la.

 

Por BBC NEWS Brasil